O 55º Congresso Brasileiro de Medicina Clínica e Medicina Laboratorial (CBPC/ML), evento com quatro dias de duração que reuniu quase sete mil pessoas, em São Paulo, contou com uma extensa programação científica, iniciada com cursos pré-congresso, e mais 130 atividades incluindo conferências, mesas redondas, encontros com especialistas, workshops e apresentações de casos clínicos. Foram 250 palestrantes nacionais e 70 internacionais. A exposição técnico-científica contou com mais de 90 empresas e instituições apresentando novidades para o setor de laboratórios clínicos. O Congresso também foi o palco para lançamentos de publicações técnicas direcionadas aos profissionais do setor. A tecnologia, um dos eixos transversais em toda a programação da conferência, perpassou por enfoques relacionados aos exames e diagnósticos e, também, processos clínicos. A área médica de forma geral e o segmento de patologia clínica em especial têm sido os mais impactados pelos avanços tecnológicos. Somente nos últimos três anos, com a ampliação do uso de ferramentas de inteligência artificial e outras inovações, observa-se uma melhora significativa nos tratamentos e cuidados com os pacientes na mesma proporção em que a predição e celeridade na obtenção de diagnósticos avançam. Também a humanização na saúde e todos os temas relacionados permearam o conteúdo técnico-científico do 55º CBPC/ML. Durante o Congresso, Fábio Brazão, presidente da SBPC/ML, ressaltou que é fundamental colocar o ser humano no centro do cuidado médico e garantir que os aspectos emocionais, psicológicos e sociais dos pacientes sejam considerados tão importantes quanto os aspectos clínicos. Nas páginas a seguir, você poderá conferir um recorte do que foi apresentado nos quatro dias do Congresso e saber como as novas tecnologias e a humanização da saúde estão contribuindo para o estabelecimento de uma nova era na patologia clínica e na medicina laboratorial.

Da Inteligência Artificial ao Big Data

Durante a mesa redonda “Da Inteligência Artificial ao Big Data: o que podemos aplicar ao laboratório clínico?”, o radiologista e desenvolvedor de Inteligência Artificial (IA), Gustavo Corradi, destacou que dentre as vantagens da utilização da IA nos laboratórios estão: a revisão automatizada de resultados; a interpretação de testes, a exemplo da eletroforese de proteínas; as análises microscópicas e as aplicações genômicas, que abarcam um enorme volume de dados. “Na área médica, a IA concentra-se na abordagem de problemas específicos. Estamos desenvolvendo aplicações inovadoras com o intuito de modernizar e estabelecer novos paradigmas de negócios”, avaliou Corradi e completou: “A IA representa um espelhamento do pensamento humano. Uma vez que não tem a capacidade de gerar soluções e pensamentos próprios, seu desempenho na obtenção da resposta correta é diretamente proporcional à quantidade de informações imputadas nas ferramentas”. A hematologista Elvira Velloso, que também participou do debate e tratou da IA em citogenética, explicou que alimentar as máquinas com dados é literalmente fazer com elas aprendam a partir de Da Inteligência Artificial ao Big Data exemplos (conceito de Machine Learning). “Para realizar análises cromossômicas, das quais o cariótipo ainda são as bases, o uso da IA acelera o processo e reduz a intervenção humana, por exemplo”, disse Elvira. Já a patologista clínica Denise Campos, que apresentou as possibilidades de aplicação do Big Data em Imunologia e Sorologia, enfatizou o processamento de extensos conjuntos de dados. “O laboratório desempenha um papel fundamental na coleta de uma parcela significativa de dados, os quais são cruciais para a previsão e o controle de epidemias e pandemias”, destacou Denise Campos. Contudo, as ferramentas usuais de processamento de dados são apenas a ponta de um iceberg. Como explicou a médica nefrologista Paula Fuscaldo, as placas de silício dos computadores já estão se tornando obsoletas em suas capacidades de processar informações. “Atualmente já estamos utilizando o conceito de computação quântica”, relatou a nefrologista. Ela completa: “Os princípios da mecânica quântica são utilizados na computação para processar informações de maneira fundamentalmente diferente das máquinas tradicionais baseadas na lógica binária (0s e 1s). Em vez de usar bits clássicos, que representam estados como “ligado” ou “desligado”, a computação quântica utiliza qubits, que podem representar múltiplos estados simultaneamente devido ao fenômeno quântico conhecido como superposição”. Além de apoiar pesquisas, um dos recursos obtidos através de IA é a análise de informações associadas a dados demográficos e laboratoriais. Esta aplicação pode ajudar a identificar pacientes predispostos a desenvolver diabetes, entre outras doenças, e também verificar entre os internados aqueles com predisposição a ter infecções. “É fundamental, contudo, garantir a segurança dos dados dos pacientes com revisões constantes dos algoritmos”, avaliou Paula Fuscaldo. Transformação digital disruptiva na saúde A revolução digital e suas influências nas mudanças da área de saúde foram temas de destaque nas apresentações de diversos profissionais no 55º CBPC/ML. A gerente médica de pacientes crônicos do Hospital Israelita Albert Einstein, Flávia Camargo, por exemplo, abordou as transformações digitais na jornada do paciente e o caminho percorrido pelo Einstein desde 2019. Ela destacou que o hospital conta atualmente com 114 pacientes em seu conselho consultivo. “Eles atuam como eixos fundamentais de todo o processo. A escolha e a adoção de tecnologias de ponta requerem desburocratização e facilidade de conexão do paciente aos serviços”, avaliou Flávia.


Business Intelligence não é mágica 

A importância das soluções de Business Intelligence (BI) e Business Analytics (BA) e as suas aplicações no contexto laboratorial foram as principais abordagens de Marcelo Lorencin, diretor institucional da Lis Brasil, no 55º CBPC/ML. Para o especialista, os indicadores são um dos mais importantes recursos de uma organização. “Quando bem utilizados, mostram o real valor do BI, impactando na capacidade de tomada de decisão. Mas, para usufruí-los é preciso experiência. Quanto mais madura a organização, mais valor se captura de uma ferramenta de BI”, informou Lorencin. Ainda de acordo com ele, os dados podem contribuir decisivamente para maior ou menor competitividade. “Infelizmente ainda há no Brasil uma cultura de coleta de dados sem saber aplicá-los como ativos essenciais. Hoje o grande desafio é entender como potencializar os dados dentro do laboratório”, concluiu o especialista.


Inovação de dentro para fora

A importância de acessar o processo criativo dos colaboradores foi o fio condutor da apresentação de Flávia Helena Silva, gerente médica de dados do Grupo Fleury em um dos painéis do Congresso. Ela mostrou como a empatia e o olhar atento aos colaboradores pode ser revolucionário e também uma fonte de criatividade dentro da organização. Gerar indicadores para serem utilizados com objetivos claros, manter a rede em sintonia e descobrir o propósito em comum da equipe têm sido práticas recorrentes com resultados muito positivos no Grupo Fleury. “É essencial que a gestão permita que as pessoas inovem. O Grupo Fleury tem se beneficiado da utilização de dados gerados por indicadores que incentivam o reconhecimento dos pontos fortes dos colaboradores, possibilitando, assim, a busca por soluções para os pontos fracos”, destacou Flávia.

Os dois pilares da gestão: empresa e pessoas Ana Flávia Briceño, psicóloga e gerente de Desenvolvimento Humano do Grupo Sabin, falou sobre gestão de performance para alavancar resultados, colocando as pessoas no centro da estratégia. “A gestão de talentos envolve um direcionamento para onde o profissional deseja chegar na carreira. Em muitos casos o colaborador pode não estar ciente de seus próprios talentos. Essa identificação consequentemente apoia o alcance dos desafios estratégicos da empresa”, relatou Ana Flávia. Na avaliação da psicóloga, a escuta ativa e o feed-back recorrente da gestão são fundamentais, aumentam o engajamento do colaborador e fortalecem o vínculo com a organização. É preciso apoiar a saúde mental. Após a pandemia da Covid-19, estudos apontam que houve um aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão no mundo. De acordo com a psicóloga Simone Marques, do Laboratório Ruth Brazão, o retrato atual da saúde mental dos colaboradores não é nada favorável. “Hoje não interessa saber se o transtorno psíquico foi desencadeado dentro do ambiente de trabalho ou fora. É necessário entender o limite do outro e as lideranças precisam olhar cada vez mais para isso”, enfatizou Simone Marques. Outro importante ponto destacado pela psicóloga é que as organizações devem estabelecer metas que, efetivamente, possam ser atingidas, pois do contrário, só causam frustrações aos seus colaboradores. Por outro lado, o cenário favorável à saúde mental é que cada vez mais a psicologia está sendo aceita nos ambientes corporativos.