No último dia 21 de maio (sábado), a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), em parceria com a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Pneumonia e Tisiologia (SBPT) e patrocínio da empresa americana de diagnósticos moleculares Cepheid, promoveram o Encontro de Sociedades Médicas. O presidente da SBPC/ML, Dr. Fábio Brazão, deu as boas-vindas aos presentes no primeiro evento presencial da entidade. 

O Dr. João Renato Rebello Pinho, membro titular da SBPC/ML e diretor do Laboratório de Biologia Molecular, Divisão Laboratório Central Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), fez a primeira palestra com o tema “Evolução do SARS-CoV-2: epidemiologia das variantes no mundo”, durante a qual falou dos primeiros casos descobertos no Brasil e a situação atual, momento em que a mortalidade não está crescendo tanto como se não tivessem as vacinas.  

Ele explicou que “por ser um vírus RNA, tem uma capacidade muito grande de mutação e a grande questão dessas mutações é que levam as variantes de preocupação, então quando surge uma nova notam-se mutações genéticas que trocam as características do vírus e apresentam riscos futuro”. Segundo ele, no Brasil, há um grande número de sublinhagens, de acordo com a Fiocruz.  

Sobre a eficácia das vacinas, o médico ressaltou que “com duas doses de CoronaVac e Astrazeneca para o combate à Gama, elas foram eficazes. Na sexta-feira (20/5), um segundo trabalho comparou que, quando era adicionada a terceira dose de CoronaVac, Astrazeneca e Pfizer, as respostas vacinais foram muito semelhantes para o combate da Alfa Delta e Gama”. 

A revista Nature mencionou que as vacinas são eficazes para a Ômicron, mas não por muito tempo. Outras publicações também dizem que a eficácia para a Ômicron é menor e que uma quarta dose pode durar por mais algum tempo.

O especialista também comentou sobre a nova hepatite aguda de etimologia desconhecida. “Até o dia 10 de maio, foram registrados 348 casos em 24 países. Entre indivíduos de um mês e 16 anos, 26 precisaram de transplante hepático e seis vieram a óbito. Há também um aumento de casos de Adenovírus em crianças na Inglaterra e na Escócia. O Dr. Pinho ressaltou um ponto importante: “esse problema não tem nenhum vínculo com a vacina de covid-19”. 

Sobre os “Testes Moleculares para Detecção do SARS CoV-2: Diferentes Técnicas e Plataformas. Quando e Como aplicar?”, o Dr. José Eduardo Levi, membro efetivo da SBPC/ML e coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento dos Laboratórios DASA, explicou que quando se fala de testes moleculares, pauta-se praticamente de RT-PCR positivo. A sorologia contribuiu muito pouco no diagnóstico de pessoas com a covid-19. 

“O Nosso trabalho foi recomendar a sorologia em casos específicos, mas o diagnóstico basicamente é feito com teste molecular ou de antígeno. O molecular tem a janela com pessoas assintomáticas e com dias determinados de contatos com positivados; em certas situações, até com meses positivados”.  

Segundo Levi, essa explicação se baseia na detecção do material genético viral, o RNA viral. A maioria dos casos não necessita dos três tipos de tecnologia. O que 99% do mundo fez foi o RT-PCR; em segundo lugar no Brasil se usou e ainda usa o RT-Lamp; e, em terceiro, o sequenciamento. 

“Tudo isso só foi possível pelo conhecimento do genoma do vírus identificado no comecinho de janeiro, pelo consorcio chinês e o pessoal da Escócia, pois sem esse dado não se faz sequenciamento genético nenhum. O Coronavírus é o segundo vírus de RNA que se tem”. A grande vantagem do RT-Lamp é a de ser feito em temperatura ambiente e tem toda a tecnologia de amplificação.  

Sobre os “Marcadores sorológicos da covid-19 – aplicabilidade dos testes e novos marcadores”, o Dr. Celso Granato, diretor Clínico do Grupo Fleury e profº livre docente da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), mencionou que a falta de reagente foi uma complicação. 

“No laboratório Fleury, como eram atendidos muitos pacientes de hospitais, a ideia era priorizar os que estavam na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Nós guardamos o soro dessas pessoas, mas quando foi possível acessar mais reagentes começamos a fazer exames de pacientes assintomáticos e a sorologia dos sintomáticos. Os testes em UTI tiveram um desempenho fantástico, pois a doença estava em curso. Quanto mais graves os pacientes, mais altos os níveis de anticorpos. Quando testados os pacientes com baixa intensidade clínica, percebeu-se que os testes não eram tão bons assim”, explicou. 

O Dr. Granato explicou a dinâmica de uma pesquisa feita pelo Fleury. Sobre os resultados, ele mencionou que foram avaliadas 5.772 pessoas há um ano. Na época, se fazia o teste da Roche, que surgiu ao longo do tempo, e ele era positivo contra o Spike e essas pessoas além de darem o seu material respondiam a um questionário. Dessas, 1.518 diziam que foram vacinadas – 85% com a CoronaVac e 15% Astrazeneca. As respostas foram: 7,75% negativas (<20% neutralização), 15,12% (20 a 30% de neutralização indeterminadas) e 77,13% (> 35%) positivas para neutralização do vírus. 

“A doença não é democrática, dá mais em pobres do que ricas, mas a vacinação foi democrática, todos receberam. Como a resposta imune é dependente de imunidade, o marcador de proteção é tomar três ou quatro doses se puder. Isso não é garantia de que não vai pegar a doença. Pessoas com mais de 65 anos que chegaram a tomar cinco doses nos Estados Unidos (EUA), além de pegar a imunidade pegaram o vírus e trouxeram de lá para cá”, explicou. 

A conclusão é que a sorologia tem muito pouco espaço na patologia clínica do dia a dia. Além disso é bem difícil de detectar, pois há testes que detectam de maneiras diferentes. Isso é difícil porque o paciente vê e quer o teste e o profissional não vai deixar de fazer. Porém, é preciso bastante técnica para interpretar o resultado. 

Um tema que despertou bastante o interesse dos presentes foi “Outros vírus respiratórios no contexto da pandemia por SARS-CoV, proferido pela Dra. Nancy Bellei, médica infectologista e membro da International Society of Influenza and Other Respiratories Diseases. Ela disse que nós temos no Sistema Único de Saúde (SUS), um pessoal técnico estruturado na saúde e que temos um Brasil diferente da América Latina – o País é estruturado no que diz respeito ao vírus Influenza, deu conta do H1N1 e que fez o pode e o que não pode na pandemia da covid-19.  

A médica explicou que ainda não há uma vacina para crianças, mas há dois fármacos para serem estudadas em fase 3 para idosos. 

“Em 2022, o vírus circulou em janeiro e fevereiro, além da Ômicron que ainda está sendo observada. O Rinovírus, no mundo todo, não deixou de circular. Em 2020, não tinha a vacina da covid-19. Aplicavam-se as de gripe, mas de fato o Influenza não circulou muito naquele ano. Em 2021, caiu a aderência para a vacinação de Influenza, em especial para os grupos de risco”. 

No Hospital São Paulo – Unifesp, testavam-se todos os pacientes para SARS-CoV-2 e, se negativo, para Influenza e Vírus Sincicial, em especial para crianças. 

“O Influenza praticamente desapareceu, mas na semana de 14 de novembro, uma gestante teve SARS-CoV-2 negativo e um serviço de vigilância de Guarulhos a testou para influenza e teve o primeiro caso positivo”.  

Os desafios são os dados clínicos, pois o vírus é muito semelhante ao Influenza e a covid-19. Se não tratados, os pacientes de risco podem evoluir para pneumonia. 

“É preciso ter cuidado com os testes rápidos e alguns com uma sensibilidade ruim. Em determinadas situações, o paciente só tinha Influenza A, fez outro teste e apontou que ele tinha covid-19 e influenza A e B, o que jamais poderia acontecer. Em outro diagnóstico, uma criança foi positivada com covid-19 por um teste rápido, mas no teste exato ele estava com dengue, não com covid-19”, alerta. 

Sobre os outros vírus, a Dra. Nancy disse que, nos EUA, principalmente Rinovírus e o Adenovírus tiveram aumento de casos na volta às aulas, com a observação de diferente agressividade. Casos de bronquiolite por vírus sincicial respiratório foram observados o ano inteiro no Brasil. 

Diversos vírus respiratórios apresentaram padrões diferentes neste período pandêmico e irão influenciar nas ocorrências futuras. Neste momento, a vigilância das síndromes respiratórias e a testagem diagnóstica serão fundamentais.

Na palestra “Testes Laboratoriais para o diagnóstico das infecções respiratórias”, a Dra. Marinês Dalla Valle Martino, membro titular da SBPC/ML e médica-coordenadora do Setor de Microbiologia do Laboratório Clínico da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein (SBIBHAE), falou que os métodos acurados e rápidos são importantes para a escolha do tratamento adequado, pois salvam vidas, contêm epidemias, endemias e reduzem o uso desnecessário de antibióticos. 

A virose é um termo que o paciente não aceita mais, isso também corrobora com o diagnóstico das infecções respiratórias que não o SARS-CoV-2. O diagnóstico desses outros vírus, enxerga vários métodos que poderíamos lançar mão, desde a cultura viral ao RT-PCR e alguns métodos rápidos. Então, qual escolher?  

Testes rápidos de Influenza – a validação desse kit é muito importante. É preciso validar com bastante segurança e método o que colocamos em nosso laboratório. Tem que validar teste a teste. 

Testes rápidos (testes combinados): covid-19 com Influenza – teste único e rápido, imunocromatográfico. Ele é recomendado para fazer um diagnóstico diferenciado entre os vírus de maneira rápida. 

Há, ainda, o arsenal de diferentes fabricantes de diagnóstico para o Vírus Sincicial. São testes que se libera em 30 minutos e que ajudam muito no diagnóstico. 

Testes moleculares – testes rápidos fechados (dos laboratórios). Não são um RT-PCR mas fazem um diagnóstico rápido para influenza A e B. Testes moleculares mais complexos do ponto de vista de equipamento mas não de realização: equipamento GeneXpert (para o diagnóstico de Influenza e covid-19).

Testes moleculares fechados sindrômicos – tem duas plataformas no mercado – no painel respiratório QlAstat-Dx observa-se que pode se fazer o diagnóstico de algumas bactérias e de vários vírus. 

FilmArray System e FilmArray Paineis – este segundo tem o painel respiratório e o painel para trato respiratório pulmonar ou pneumonia. 

Outro assunto abordado no Encontro de Especialidades Médicas foi “Testes Laboratoriais na Saúde Suplementar: Desafios na Remuneração”, proferido pela Dra. Goldete Priszkulnik, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Auditoria Médica (SBAM) e editora científica do Jornal Brasileiro de Auditoria em Saúde (JBAS). Ela explicou aos presentes que a diferença entre o médico e o auditor. Segundo a médica, “o médico toca a lida diária e o auditor, que também é médico, tem uma especialidade que possui uma visão diferenciada, ele enxerga as necessidades do sistema com base em regras. 

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) controla ou regula a operadora de planos de saúde e ela não faz a regulação de prestador e beneficiário. Segundo a especialista, é um mercado extremamente complicado, pautado pela desconfiança. O mapa da cadeia de valor mostra que todos estão interligados: os hospitais, farmácias, beneficiários, entre outros, e a desconfiança é um assunto a ser tratado.  

“Os desafios são constantes, então temos que cuidar dos bebês prematuros aos centenários e a pandemia nos fez perceber o quanto temos centenários no Brasil e o quanto as pessoas não escondem mais a idade. Também precisamos cuidar dos home officers, ou seja, dos que engordaram e ficaram sedentários na pandemia e voltaram à rotina.  Dados de operadoras mostraram -24% de número de cânceres. Existe um pessoal muito necessitado de reabilitação, fala-se muito de doença rara, de covid-19 etc”. 

Existem, hoje, algumas modalidades de operadoras de saúde, entre elas a medicina de grupo, autogestão, cooperativas, seguradoras, administradoras e filantrópicas, que são modelos de negócios distintos de acordo coma modalidade de operadora de planos de saúde, mas o rol e DUTs (Diretriz de utilização) devem sempre ser cumpridos. “O rol vigente é o 465, mas está sendo modificado constantemente; RN 536/2022 – Vigência: a partir de 2/5/2022”. 

De acordo com a Dra. Goldete, não se pode mais esperar dois anos para que uma quimioterapia ou um teste seja incorporado em um momento difícil como os que ainda passaremos. As propostas são feitas de maneira contínua e são analisadas durante os períodos.  

Atualmente, há aproximadamente 50 milhões de usuários e isso é pouco, visto que esses se aproximam aos números de 2014. Muitos foram para o plano de saúde na pandemia. 

Por fim, a questão que fica é “O que podemos esperar da pandemia?”. A Dra. Margareth Pretti Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz, respondeu a essa pergunta. Ela abriu a sua palestra salientando que se continuarmos a desmatar a Amazônia, temos riscos de ter uma nova epidemia no Brasil, essa é uma preocupação.  

Ao levantar a questão do que veio para ficar, ela mencionou o uso das máscaras, dizendo que sim, e que pessoalmente ela não teria, por exemplo, coragem de embarcar em um avião sem tal EPI. “Em algumas circunstâncias, as PFF2 vieram para ficar”.  

Temos uma pandemia que ficará endêmica, ou seja, em um país haverá localidades com surtos em localidades.

“Não tenho dúvidas de que teremos isso com as variantes de preocupação, que praticamente aparece uma a cada semana. As vacinas de primeira geração tiveram um impacto indubitavelmente sobre caso grave, hospitalização e morte, mas precisaremos de vacina de segunda geração que vai interferir na transmissão”, explica. 

De acordo com a pesquisadora, em dois anos e meio, o que vai embora são as decepções e redescobertas. Os fármacos malfadados, como a Cloroquina e a Ivermectina caíram por terra. O aprendizado são os antivirais. O Remdesivir provavelmente veio para ficar. Os anticorpos monoclonais, os imunomoduladores também. Os anticoagulantes foram reaprendizados, como a Dexametasona, que auxiliou no grande impacto na saúde pública e suplementar. 

Para os pacientes graves, partes das redescobertas foram as posições pronadas (ativas), ventilação não invasiva e oxigênio por cateter de alto fluxo. Entre os desafios estão as sequelas da covid-19 – 58% das pessoas saem com alguma sequela.  

A respeito da vacina BCG, o Brasil está desenvolvendo um estudo chamado BRACE, que testa a hipótese de que o imunizante provoca uma imunidade variada e, por isso, está sendo testado para o combate da covid-19.  

Sobre os dados da imunização de covid-19 no Brasil, a médica disse que a vacinação foi extremamente positiva. “Na Fiocruz, vimos o quanto foi difícil, também foi para o para o Instituto Butantã”. 

Mas, a pergunta que fica é: o que esperar? A mortalidade foi um trauma, os hospitais de campanha foram uma catástrofe, em especial no Rio de Janeiro. É importante que haja um grupo de pessoas formadas na área médica para situações de epidemia, um investimento em pesquisa, tecnologia e inovação – a telemedicina no SUS ajudou muito, aprovação regulatória e Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) de medicamentos Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) (antivirais e Ac monoclonais), vigilância genômica, voluntariado de nova qualidade e o SUS como o maior patrimônio social. “A comunidade acadêmica também merece que seja registrado – fomos ativos, pujantes, o Brasil é o décimo país em pesquisa científica sobre a covid-19 e o impacto é sabido”. 

Em conclusão, a Dra. Margareth disse: “teremos uma pandemia heterogênea no Brasil. Em cada região ela se comportará de maneira diferente. Precisamos de testes Point-of-Care, testes rápidos e baratos que dão resultados na hora”.